Os Rádios do Mané
O rádio foi durante muito tempo o
grande veículo de comunicação do Brasil. Desde jornais até novelas, o rádio era
o luxo da população, famílias inteiras se reuniam ao pé do aparelho com o
intuito de ficar informadas e buscar entretenimento. A Voz do Brasil, pasmen,
era o mais confiável programa jornalístico do país. Nas fazendas de café nem
todos possuíam o precioso equipamento, era comum as comadres se reunirem para
juntos ouvirem as novelas e os compadres para apreciarem as longas falas de
Getúlio Vargas. Televisão nem pensar, somente chegou ao Brasil nos anos 1950,
trazida por Assis Chateaubriand, somente nos anos 1980 chegou à maioria dos
lares. Em Valparaíso não era diferente, um rádio era um equipamento de tanto
valor que era comprado em várias parcelas, quando criança presenciei o Juvenal
rolista intermediar a troca de um terreno por um belo exemplar da Philco.
Lembro a tristeza do meu pai quando naquela crise pós geada levando um rádio
para trocar por alimentos. Televisão era tão raro que o Ayub quando Prefeito
instalou uma na Praça Oscar de Arruda, era grande a quantidade de pessoas que
compareciam para ver o precioso equipamento, as dez da noite em ponto “Seo João
Guarda” desligava a fonte luminosa e a tv. Mas o legal no rádio eram seus
personagens, afinal tínhamos que ouvi-los e imaginar a cena. A nível de Brasil
um que marcou minha infância foi o Zé Bétio. Era um locutor tipo caipira, tinha
um Programa muito cedo, ficou famoso pelas belas músicas do campo e pelos
bordões com os quais se comunicava diretamente com as donas de casa. “Joga água
no marido dona de casa”, repetia sempre. As vezes colocava um jumento para
zurrar antes de falar as horas e imediatamente pedia as mulheres para acordar
os maridos, as crianças e mandar todos para a roça. Impossível não ligar o
rádio as quatro e meia da manhã só para ouvir as trapalhadas do Zé Bétio. Em
Valparaíso as seis da manhã começava o Programa do Tio Belo. Olímpio Lázaro
Ferreira, o Tio Belo, pai do Adão da Prefeitura, era uma espécie de Zé Bétio do
interior. Era muito querido, chamava os ouvintes por nome, caracterizou-se
pelos frangos que pedia para os ouvintes. “O Cumade Maria manda uns frangos aí
pra mim”, e o povo da zona rural levava mesmo. Tinha ouvintes cativos, um deles
era meu vizinho “Mané do Rádio”. Seo Mané era um personagem interessante, fazia
coleção de rádios, as vezes ligava todos ao mesmo tempo, como os rádios eram de
válvula demoravam para aquecer, iam entrando no ar aos poucos. Quatro e meia da
manhã e já se ouvia os rádios do Mané, o problema era o volume, fazia questão
de colocar para a vizinhança toda ouvir. Como era um bom vizinho, nossas casas
mal tinham cercas para separar os quintais, nunca nos importamos com a
barulheira, achávamos até engraçado. Só teve um período que o Mané do Rádio
passou dos limites, comprou um megafone daqueles de vendedor ambulante, não sei
como ele conseguiu instalar no alto de um imenso pé de manga. Parecia aquelas
cidades antigas onde o povo se comunicava pelo som do sino da igreja, pois o
Mané conseguiu o feito de ser ouvido pelo quarteirão inteiro. O interessante é
que Mané nunca possuiu um rádio novo, sempre adquiria usados, quanto mais
detonado melhor, tinha prazer em consertar e logo trocar por outro. Quantas
vezes eu o presenciei mexendo por horas num rádio velho, sempre acompanhado por
sua cachorrinha violeta. Quando a TV se popularizou a sua esposa Carmelita logo
o fez adquirir uma, com muita dor no coração, trocou três rádios por uma
televisão. Ele instalou o aparelho e nos chamou para assistir, foi exatamente o
dia em que ocorreu o famoso incêndio do “Edifício Joelma” em São Paulo. O Mané
do Rádio recebia uns 10 “bom dia” do Tio Belo dentro da programação, quando o
Programa acabava pegava sua bicicletinha
e ia na rádio, ali na Borba Gato, dar bom dia pessoalmente para o Tio Belo. São
personagens de uma história de Valparaíso que ainda não havia sido registrada.
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